25.12.05

A Imperfeição é o Ápice - Yves Bonnefoy
tradução: eduardo miranda

Havia aquele que era obrigado a destruir e destruir e destruir,
Havia também aquele para qual a redenção era apenas um preço.

Arruinar a face nua que ganha o mármore,
Forjar toda a forma, toda a beleza.

Amar a perfeição por ser ela o limiar,
Mas negá-la ao conhecê-la, esquecê-la morta,

A imperfeição é o ápice. A imperfeição é o ápice.

* * *

L'imperfection est la cime - Yves Bonnefoy

Il y avait qu'il fallait détruire et détruire et détruire,

il y avait que le salut n'est qu'à ce prix.

Ruiner la face nue qui monte dans le marbre,
Materler toute forme toute beauté.

Aimer la perfection parce qu'elle est le seuil,
Mais la nier sitôt connue, l'oublier morte,

L'imperfection est la cime. L'imperfection est la cime.

poe por pierce


Uma criação de Charles Sanders Pierce, à partir do poema O Corvo de Edgar Allan Poe. Confiram minha tradução de O Corvo)
dezembro, oh dezembro...
já cedo veio
e de novo vem só,
só para me lembrar:

"Olha pra trás, olha!
e vê se te vês
a fazer coisas
que disseste que farias... "

<8¬]=
oh oh oh
merry christmas...
12-2oo5

23.12.05

DEZEMBRO

este poema eu escrevi em 2001...

Em dezembro nascemos novamente,
depois de morrermos o ano todo.
É hora de procurarmos os velhos
enfeites esquecidos por toda casa.

Em dezembro nascemos prematuros,
árvores para armar, noéis para alegrar,
presentes e lembranças compradas no coração.
Tentamos lembrar de todos... Os que se foram...

Em dezembro nascemos iluminados,
cantando aquelas melodias natalenses
que despertarão os sentimentos de amor,
esperança e confraternização pelo próximo.

Em dezembro nascemos esquecendo
das coisas que não fizemos no ano,
buscando com isso olhar para frente,
como se o ano fosse apenas esse dezembro.

Em dezembro nascemos lembrando
que um novo ano já está chegando
e que sempre precisaremos melhorar
e sermos os melhores para nós e todos.

17.12.05

haikus








Preguiçosamente
orquídea descansa o caule
no velho tronco.

16.12.05

meu haiku japonês

Desculpem, se não tiverem fontes japonesas instaladas não conseguirão ver os kanjis... Quem estiver interessado é só me pedir via post, que eu mando por e-mail.












Este haiku eu escrevi na época em que estudava japonês e fazia as oficinas de haicai na casa de cultura Mário de Andrade. Segue o rigor dos clássicos japonêses, com 17 sílabas japonesas, divididas em três versos de 5, 7 e 5 sílabas. Sua leitura é:

komo aki wa
aki fukaki aki
aki no kaze

Também faz referência à natureza ao invés da natureza humana, e, é claro, está escrito em japonês! Infelizmente não tenho vivo na memória o momento que escrevi este haicai, e apelo para uma transcriação [tradução livre] de mim mesmo...

outono solitário.
proufunda e pesarosa
brisa de outono.
Confiram também meu ensaio sobre os 3 últimos haikus de Masaoka Shiki.

尊重 [Saudações] ¦8¬]=

13.12.05

tabacaria
fernando pessoa [álvaro de campos]

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu.

12.12.05

No teu poema - José Luis Tinoco

No teu poema
Existe um verso em branco e sem medida
Um corpo que respira, um céu aberto
Janela debruçada para a vida

No teu poema
Existe a dor calada lá no fundo
O passo da coragem em casa escura
E aberta uma varanda para o mundo

Existe a noite
O riso e a voz refeita à luz do dia
A festa da Senhora d'Agonia e o cansaço
Do corpo que adormece em cama fria

Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco a raiva e a luta
De quem cai ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte

No teu poema
Existe o grito e o eco da metralha
A dor que sei de cor mas não recito
E os sonos inquietos de quem fala

No teu poema
Existe um cantochão alentejano
A rua e o pregão de uma varina
E um barco assoprado a todo o pano

Existe um rio
O canto em vozes juntas, vezes certas
Canção de uma só letra e um só destino a embarcar
No cais da nova nau das descobertas

Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco a raiva e a luta
De quem cai ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte

No teu poema
Existe a esperança acesa atrás do mundo
Existe tudo mais que ainda me escapa
É um verso em branco à espera
Do futuro

arma-zen - arnaldo xavier

Dia
agnóstico:
ateu lado

é fácil ser flor
é fácil ser capim
difícil ser fl*r e ser capim
Manhã
daluz sangra
um galo
pavão
arco íris
de carne e osso

qualquer que seja o malmequer
qualquer que seja o bemmequer
seja qual flor
arnaldo xavier, in Arma Zen

10.12.05

dos poemas mediterráneos

un poema

dos
ballarinas

lo que me llevó
a pasear por los campos
fue mi incapacidad de bailar.

todos los juncos creídos
e invertidos u ostentados
no fueram bastant per a moverme
a través de mis inquietudes.

y se los campos son vastos y libres
d'altra banda la inquietud es estany,
on la possibilidad de aprendre a bailar
paira en el aire, incierta i malsegura
ja que observo la dansa de las ballarinas...


dos, poema

me acerco de mi y no me veo
ni mis ojos o mi pared
pero sí siento lo que me persigue:
la noche partida y sudorosa...

no lo sé si es pecado o prohibido
solo sé que busco el fondo... hondo,
profund.

josep d'agustint

para arnaldo xavier

foste rápino arnaldo... como sempre!

*
r.oda a dor
i.nevitavelmente
p.ara sempre

* *
neste ano
jazz-me-ei-te
em (26/1)2004 subtons

* * *
a recusa da prosa)
subsenhor sucumbe(
ékatómbe azul:
blue...
profundamente blue

9.12.05

Éle Semog

O cio das cores
é uma vontade diferente
de ser negro até nos dentes.

Éle Semog in Demanda da Cor

poeminha do contra - mário quintana
tradução para o inglês: eduardo miranda

todos esses que aí estão
atravancando o meu caminho
eles passarão...
eu passarinho.

the contra little poem - mário quintana

all of those who may
forbid me to fly:
they will pass away
i'm passing by.

8.12.05

o tigre - willian blake
tradução: eduardo miranda

tigre, tigre, intenso brilho & fogo
queima em trevas teu soturno jogo
que mão imortal ou olho ousaria
forjar tua medonha simetria?

em que céu, abismo ou mar
ardeu o fogo do teu olhar?
em que asas o céu desbravou?
e que mãos o fogo dominou?

e que ombros ousaram, que arte,
afrontaram teu coração baluarte?
que ao começar a bater & a bater,
que pés? que mãos irão temer?

qual martelo? qual corrente?
em que fornalha forjaste a mente?
que bigorna? que morsa infinita
desafia tua mortalha maldita?

quando astros lançaram seus arpéus,
e inundaram de lágrimas os céus,
preocupou-se &le com o que edificou?
quem criou o cordeiro, também te criou?

tigre, tigre, intenso brilho & fogo
queima em trevas teu soturno jogo
que mão imortal ou olho ousaria
forjar tua medonha simetria?

* * *

The Tiger


Tiger! Tiger! burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?

In what distant deeps or skies
Burnt the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?
What the hand dare seize the fire?

And what shoulder, and what art,
Could twist the sinews of thy heart?
And when thy heart began to beat,
What dread hand? and what dread feet?

What the hammer? what the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil? what dread grasp
Dare its deadly terrors clasp?

When the stars threw down their spears,
And watered heaven with their tears,
Did he smile his work to see?
Did he who made the Lamb make thee?

Tiger! Tiger! burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry?

o corvo - edgar allan poe
tradução: eduardo miranda

Publicado pela primeira vez em 1845

Certa meia-noite sombria, enquanto cansado lia e refletia
Sobre estranhos e curiosos volumes de doutrinas ancestrais
Cochilava, já quase adormecia, quando ouvi que alguém batia
Alguém batia, suavemente alguém batia em meus portais
“Um visitante”, resmunguei, batendo em meus portais —
Há de ser isso e nada mais.”

Ah, como eu me lembro, era um gélido e triste Dezembro,
E cada brasa moribunda que por dentro morria, forjava mil funerais
Excitado eu desejava o alvorar; futilmente busquei emprestar
Do meu livro cerrado de tanto penar — penar pela perda de Taís, —
Pela rara e radiante donzela a quem os anjos chamaram Taís —
Sem nome agora e jamais.

E a sedosa, sombria, serrazina batida de cada cortina
Aterrorizava-me com terrores nunca dantes visto iguais;
E meu coração inquieto ouvia de minha mente doentia:
“Um visitante querendo entrar em meus portais —
Algum visitante tardio querendo entrar em meus portais —;
Há de ser só isso, e nada mais.”

E minha alma de tal poder se formou que não mais hesitou,
“Senhor”, disse “ou Madame, meu perdão ofereço ademais,
Pois fato é que estava já adormecendo, e gentilmente alguém batendo,
Palidamente alguém batendo, batendo em meus portais,
Que o ouvi apenas vagamente” — e totalmente abri meus portais —
A escuridão encontrei, e nada mais.

A escuridão observando, estanque, a imaginação avoando, relutando
Duvidando, sonhando sonhos que mortal algum sonhou jamais;
Mas o silêncio era profundo, a calmaria de outro mundo
E a única palavra lá falada, sussurrada, foi a palavra, “Taís!”
Meu sussurro murmurou de volta o eco da palavra “Taís!”
Simplesmente isso, e nada mais.

E ao quarto voltava, minh’alma em chamas queimava,
Quando ouvi baterem, mais alto agora, novamente em meus portais.
Certamente, disse a mim mesmo, há algo com minha janela;
Certamente é isso, algo com a madeira ou com os vitrais –
Deixe meu coração se tranqüilizar na madeira e nos vitrais –
Há de ser o vento, e nada mais.”

Escancaro completamente meus portais, e de repente
Portenta ave, um corvo, adentra sei lá de que eras ancestrais.
Nenhuma reverência prestou, nem sequer um minuto hesitou;
Como se um nobre fosse, sem mais empoleirou-se em meus umbrais –
Empoleirado num busto de Pallas, justamente em meus umbrais –
Lá empoleirado, e nada mais.

E tal ave negra distrai-me por um instante de minha tristeza,
Pelo grave e áustero decoro que sustenta seus gestos rituais,
De crista bem aparada, disse-lhe ‘não és criatura acovardada,
Medonho e apavorante corvo, de lá das terras infernais –
Diga-me o nome de teu mestre, lá dos meios infernais!’
Grunhiu o corvo, ‘Nuncamais’

Muito me surpreendeu, pássaro raro que falasse tão claro
Embora fossem palavras de pouco sentido em discursos reais
Nenhum fulano ou beltrano, nenhum ser humano
Fora jamais abençoado com tal ave falante em seus umbrais –
Pássaro ou besta que seja, pousado em busto em seus umbrais,
Ainda mais chamado ‘Nuncamais’

Mas o corvo, que se sentava sobre o plácido busto, apenas falava,
Palavra única, como se sua alma fosse aquela palavra e nada mais.
Nada além ele pronunciou – nem mesmo uma só pena ele agitou –
Murmurei ‘Amigos vêm e vão em contínuos vens e vais –
Ao amanhecer ele partirá, como outrora minhas esperanças joviais.’
E o corvo disse, ‘Nuncamais.’

Aterrorizado por tão sábias palavras de sentido figurado
Disse, ‘Sem dúvida, são palavras fixas, decoradas, sempre iguais,
Aprendidas de algum infeliz, algum qualquer a quem o destino quis,
Que estas palavras fossem pronunciadas, todos os dias as mesmas tais
Compondo tenebroso estribilho, feito reza, todos os dias as mesmas tais
O sombrio Nunca-nuncamais

E o corvo ainda distraía-me de toda minha herdada tristeza,
E tranqüilamente sentado frente ao corvo e aos meus umbrais;
Quando então, afundado no veludo, passei, matuto,
A ligar os acontecimentos, e este agourento pássaro de lugares tais –
O quê este cruel, tosco, esquálido e agourento pássaro de lugares tais
Quer dizer ao grunhir ‘Nuncamais.’

E eu sentado, prevendo, mas nenhuma palavra dizendo
Para a tal ave, cujos olhos me queimavam com olhares fatais
Isso e mais, eu sentado prevendo, minha cabeça pendendo
Em travesseiros de veludo, sob a luz de candelabros penumbrais
De quem os travesseiros, sob os candelabros penumbrais,
Dela seriam, ah, nuncamais!

O ar ficou então mais denso, tomado por um forte incenso
Onde anjos foram chegando com seus passos angelicais.
Desgraçado’, gritei, ‘teu Deus te concedeu – pelos anjos te concedeu
A rendição – rendido e torpente das memórias de Taís
Bêbado, oh bêbado e entorpecido, esquecido de Taís’
Grunhiu o corvo, ‘Nuncamais’

‘Profeta!’ eu disse, ‘coisa do mal! – ainda profeta, pássaro infernal –
Se deliberadamente enviado, ou largado nestas praias funerais,
Ainda desolado, destemido, nesta desértica terra perdido –
Em meu lar aterrorizado, me diga a verdade, e nada mais –
Existe – existe paz no Perpétuo? A verdade e nada mais!’
Grunhiu o corvo, ‘Nuncamais’

‘Profeta!’ eu disse, ‘coisa do mal! – ainda profeta, pássaro infernal –
Por estes céus angelicais, por todos os deuses elementais
Diga a esta alma atormentada, se além do Éden faz morada
Uma bela donzela, a quem os anjos chamaram Taís –
Única e radiante donzela, a quem os anjos chamaram Taís?’
Grunhiu o corvo, ‘Nuncamais’

‘Seja esta palavra nosso adeus eterno, demônio ou ave do inferno,
Volta para a profundeza de tuas noites eternais!
E não deixe legado das heresias que tem falado!
Deixe-me cá só e abandonado! – saia já de meus umbrais!
Leve tua figura e todos os teus sinais pra longe de meus umbrais!’
Grunhiu o corvo, ‘Nuncamais’

E o corvo, parado, ainda empoleirado, e ainda empoleirado
Sobre o pálido busto de Pallas que está acima de meus umbrais;
Seu olhar demoníaco transparece sua presença refece,
E a luz projetada sobre ele escoa em sombra nos meus umbrais;
E minh’alma presa a esta sombra, ainda hoje em meus umbrais
Ascenderá – nuncamais!


* * *

The Raven

Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore,
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door.
"'Tis some visitor," I muttered, "tapping at my chamber door-
Only this, and nothing more."

Ah, distinctly I remember it was in the bleak December,
And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly I wished the morrow;- vainly I had sought to borrow
From my books surcease of sorrow- sorrow for the lost Lenore-
For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore-
Nameless here for evermore.

And the silken sad uncertain rustling of each purple curtain
Thrilled me- filled me with fantastic terrors never felt before;
So that now, to still the beating of my heart, I stood repeating,
"'Tis some visitor entreating entrance at my chamber door-
Some late visitor entreating entrance at my chamber door;-
This it is, and nothing more."

Presently my soul grew stronger; hesitating then no longer,
"Sir," said I, "or Madam, truly your forgiveness I implore;
But the fact is I was napping, and so gently you came rapping,
And so faintly you came tapping, tapping at my chamber door,
That I scarce was sure I heard you"- here I opened wide the door;-
Darkness there, and nothing more.

Deep into that darkness peering, long I stood there wondering,
fearing,
Doubting, dreaming dreams no mortals ever dared to dream before;
But the silence was unbroken, and the stillness gave no token,
And the only word there spoken was the whispered word, "Lenore!"
This I whispered, and an echo murmured back the word, "Lenore!"-
Merely this, and nothing more.

Back into the chamber turning, all my soul within me burning,
Soon again I heard a tapping somewhat louder than before.
"Surely," said I, "surely that is something at my window lattice:
Let me see, then, what thereat is, and this mystery explore-
Let my heart be still a moment and this mystery explore;-
'Tis the wind and nothing more."

Open here I flung the shutter, when, with many a flirt and
flutter,
In there stepped a stately raven of the saintly days of yore;
Not the least obeisance made he; not a minute stopped or stayed
he;
But, with mien of lord or lady, perched above my chamber door-
Perched upon a bust of Pallas just above my chamber door-
Perched, and sat, and nothing more.

Then this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling,
By the grave and stern decorum of the countenance it wore.
"Though thy crest be shorn and shaven, thou," I said, "art sure no
craven,
Ghastly grim and ancient raven wandering from the Nightly shore-
Tell me what thy lordly name is on the Night's Plutonian shore!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

Much I marvelled this ungainly fowl to hear discourse so plainly,
Though its answer little meaning- little relevancy bore;
For we cannot help agreeing that no living human being
Ever yet was blest with seeing bird above his chamber door-
Bird or beast upon the sculptured bust above his chamber door,
With such name as "Nevermore."

But the raven, sitting lonely on the placid bust, spoke only
That one word, as if his soul in that one word he did outpour.
Nothing further then he uttered- not a feather then he fluttered-
Till I scarcely more than muttered, "other friends have flown
before-
On the morrow he will leave me, as my hopes have flown before."
Then the bird said, "Nevermore."

Startled at the stillness broken by reply so aptly spoken,
"Doubtless," said I, "what it utters is its only stock and store,
Caught from some unhappy master whom unmerciful Disaster
Followed fast and followed faster till his songs one burden bore-
Till the dirges of his Hope that melancholy burden bore
Of 'Never- nevermore'."

But the Raven still beguiling all my fancy into smiling,
Straight I wheeled a cushioned seat in front of bird, and bust and
door;
Then upon the velvet sinking, I betook myself to linking
Fancy unto fancy, thinking what this ominous bird of yore-
What this grim, ungainly, ghastly, gaunt and ominous bird of yore
Meant in croaking "Nevermore."

This I sat engaged in guessing, but no syllable expressing
To the fowl whose fiery eyes now burned into my bosom's core;
This and more I sat divining, with my head at ease reclining
On the cushion's velvet lining that the lamplight gloated o'er,
But whose velvet violet lining with the lamplight gloating o'er,
She shall press, ah, nevermore!

Then methought the air grew denser, perfumed from an unseen censer
Swung by Seraphim whose footfalls tinkled on the tufted floor.
"Wretch," I cried, "thy God hath lent thee- by these angels he
hath sent thee
Respite- respite and nepenthe, from thy memories of Lenore!
Quaff, oh quaff this kind nepenthe and forget this lost Lenore!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

"Prophet!" said I, "thing of evil!- prophet still, if bird or
devil!-
Whether Tempter sent, or whether tempest tossed thee here ashore,
Desolate yet all undaunted, on this desert land enchanted-
On this home by horror haunted- tell me truly, I implore-
Is there- is there balm in Gilead?- tell me- tell me, I implore!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

"Prophet!" said I, "thing of evil- prophet still, if bird or
devil!
By that Heaven that bends above us- by that God we both adore-
Tell this soul with sorrow laden if, within the distant Aidenn,
It shall clasp a sainted maiden whom the angels name Lenore-
Clasp a rare and radiant maiden whom the angels name Lenore."
Quoth the Raven, "Nevermore."

"Be that word our sign in parting, bird or fiend," I shrieked,
upstarting-
"Get thee back into the tempest and the Night's Plutonian shore!
Leave no black plume as a token of that lie thy soul hath spoken!
Leave my loneliness unbroken!- quit the bust above my door!
Take thy beak from out my heart, and take thy form from off my
door!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

And the Raven, never flitting, still is sitting, still is sitting
On the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming of a demon's that is dreaming,
And the lamplight o'er him streaming throws his shadow on the
floor;
And my soul from out that shadow that lies floating on the floor
Shall be lifted- nevermore!

caveira - cruz e souza

I

Olhos que foram olhos, dois buracos
Agora, fundos, no ondular da poeira...
Nem negros, nem azuis e nem opacos
Caveira!

II

Nariz de linhas, correções audazes,
De expressão aquilina e feiticeira,
Onde os olfatos virginais, falazes?!
Caveira! Caveira!!

III

Boca de dentes límpidos e finos,
De curva leve, original, ligeira,
Que é feito dos teus risos cristalinos!?
Caveira! Caveira!! Caveira!!!

(Caveira de Cruz e Souza in Faróis)